HAICAIS - nota sobre um comentário
Recebi ainda há pouco pelos Correios o livro de haicais de Roseana Murray intitulado "Suspiros de luz" (Escarlate, 2018). Fiz a compra pelo sítio da Amazon.
Gosto de haicais, e esse gosto foi o que me levou a escrever um livro só de haicais, à moda antiga: "Pedaços inteiros de poesia: haicais", pela Editora Giostri - 2015. No mesmo tempo, já havia feito algumas leituras de haicais atribuídos a Matsuo Bashô (provável inventor da composição - século XVII), traduzidos, claro:
Borboletas e
aves agitam voo:
nuvem de flores.
(MB)
A composição pequena, leve e de tremenda concisão poética traz no corte a essência da maestria de se compor um. Certamente na tradução há perdas em sonoridade, ritmo e cadência (métrica e rimas):
Vozes das aves.
Nessas horas, um poeta
não tem mais mundo.
(MB)
O tema leva em consideração elementos da natureza que nos deixa uma reflexão sobre nós mesmos, sobre o mundo. Foi o que também encontrei em Antonio Juraci Siqueira, poeta, prosador, professor e filósofo paraense:
Nas marés do céu
a (n)ave demanda o Porto
gaivota ao léu.
(AJS)
Mantendo a singeleza do tema, Juraci Siqueira é mestre no versejar; rima, métrica caem-lhe naturalmente nas imagens poéticas que forma. A concisão de que fala o verdadeiro haicai é marca forte do poeta nortista:
Pio de rouxinol
rasgando o ventre da tarde
velório do Sol.
(AJS)
Comprei em seguida um livro de haicais de Millôr Fernandes, intitulado "Hai-kais" (L&PM Pocket - 1997).
Minha impressão em Millôr está para uma poesia de crítica social, leve humor e ironia, o que o distancia dos preâmbulos primeiros desse tipo de composição - mas a contemporaneidade se vale das conquistas do Modernismo; não seria Millôr, se diferente fosse. Vejamos:
Com que grandeza
Ele se elevou
Às maiores baixezas!
(MF)
A métrica, quando há, não é rigorosa. No entanto Millôr não abriu mão das rimas:
Não esmaguem a barata
Sua nojeira
É inata .
(MF)
Quanto à minha experimentação nesse campo, posso dizer que alguns haicais fluíram, pelas influências talvez; porém, quis teimosia com a tradição e cuidei da métrica e das rimas:
perto da caseira
achou miscanto Bashô
na tal bananeira
(JF)
Outros me pareceram forçados a desprenderem-se das ideias para tornarem-se corpos:
aquele meu rosto
um dia - em fotografia -
congelou: a gosto
(JF)
Outros vieram de situações de pura inspiração e pouco trabalho:
da minha janela
essa lua sem são Jorge
é luz amarela!
(JF)
Então, quando do anúncio/propaganda do livro de Roseana - autora de quem já havia lido alguns poemas de que gostei -, comentei que já queria o meu; sendo ainda de haicais, o vislumbre veio que por encanto.
Sei que escrever toma tempo, dá trabalho, envolve esforços de outrem na concretização do livro, do físico. Não pensei de forma alguma que ganharia de presente o livro por ter feito aquele comentário afoito, contendo, do lado daqui da tela, traços exclamativos de alegria/contentamento.
O livro de haicais da premiada escritora Roseana Murray é lindo, a começar pelo material e pela encantadora ilustração de Walter Lara.
O primeiro poema dá a imagem do universo em seu teatro sem fim - pertencemos a ele:
no final da tarde
as estrelas na coxia
se vestem de luz
(RM)
Primando pela métrica, a autora deixou de lado as rimas; todavia, a combinação dos elementos que compõem as imagens nos lampeja de poesia. Objetivo, a meu parecer, satisfatoriamente alcansado.
O corte do qual, etimologicamente, o haicai preconiza revela-se em:
três gotas de chuva
anunciam temporal
vassoura de vento
(RM)
Enfim, fica esta singela nota deste professor de literatura que gosta de ler e escrever também.