Jonas Furtado
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Textos
O avião do dinheiro
 
_ Chegou o avião, Zeca. Hoje sai dinheiro.
A turista que ouviu o comentário de dois amigos que conversavam ficou meio sem entender. O avião que acabava de pousar era para levá-la a Belém. Ponta de Pedras, permita que eu explique, entrou na rota do turismo. Vem gente de tudo quanto é parte. Até estrangeiro. Antes nos deparávamos só com italianos por conta dos padres. E quem tem visão é que se dá bem; quem tem visão e dinheiro. Uma boa pousada, um bom restaurante, sorvete com sabores “exóticos”, um bom táxi,... Eu tenho visão.
Mas a turista a que me referi era uma professora-pesquisadora da universidade. Veio conhecer a terra de tantos ‘causos’; a terra que até escritor famoso agora tem, graças às investidas de estudantes e pesquisadores universitários para o reconhecimento do nome Dalcídio. O colégio novo tem o nome dele. Já não era sem tempo!
_ Não era o avião, Zeca.
_Devia ser um avião pra levar doente, Dico.
Voltemos à professora. Ela pediu que seu aluno, e anfitrião, lhe explicasse essa do avião. Ficou sabendo que, em dias de pagamento do funcionalismo da rede municipal, todos tinham a certeza do dinheiro quando o avião atravessava a cidade, sobrevoando baixo em pouso. Fora isso, táxi aéreo na cidade? Só quando tem doente grave ou outros casos raros.
_ Só desceu um, até agora, Dico. E nesse não veio.
_ Só ouvi um também.
Ih, eu nem me apresentei. Sou o taxista Mansão, o que conduziu a professora-turista ao campo de aviação. Veja só! Ponta de Pedras tem táxi. Está evoluindo. Claro que as corridas acontecem nas chegadas dos barcos e em chamadas como aquela da professora. O dinheiro quando entra traz progresso. Todos ganham?! Vale lembrar que para muitos esse progresso vem devagarzinho ou acaba nem vindo. Fruto de uma herança histórica. Quais as perspectivas de uma cidadezinha que cresce quase desordenadamente? “Meu filho precisa estudar; vamos morar na cidade!”, argumenta a cabocla que diz ter um terreno dentro de não sei que mato no Armazém, no Carnapijó, na rua Belém, ou na Lagoa Azul.
Lembro-me da professora sugerindo ao seu aluno até que fizesse uma pesquisa sobre esses “peculiares” fatos populares do município. Não sei que peste de ‘examinação’ fez aquele garoto da dona Giloca que agora está metido a doutor. Quem não o conhecia chopeiro nos portões das escolas? Teve tino e estudou o menino.
_ Avião, Zeca!
_ Agora é, Dico.
Uma outra vez, dia de pagamento também, os funcionários se alvoroçaram com o barulho de um teco-teco. Os comerciantes esfregavam as mãos gritando “Opa!” e davam tapinhas nas costas de seus auxiliares. Nas janelas e portas, nas repartições, ouviam-se “Desceu o avião”, “Sai à tarde” etc.
_ Não era, Zeca.
_ Era bem pra levar doente, de novo. É andaço que tá dando muito. O filhinho do Tião quase não volta.
Pois é, tem dessas. Médico não deu jeito aqui? Belém, então. Muitas vezes o doente volta morto, e de lancha.
Para inteirar, nesse dia desceu mais um avião, o terceiro.
_ Te apronta, Dico. Agora é.
_Só pode ser, agora!
Era dinheiro sim, mas para o correio que fazia pagamento aos aposentados. A fila alcançava a esquina. Pensar que já tivemos dois bancos. Certas pessoas dizem que nossa terra é a “terra-do-já-teve”. Será que a borracha que chegava à Casa da Beira, ao Nemorino ou ao seu Paulino deixou tanta falta assim? Agora tanta coisa para construir e reconstruir! Erário pouco. Diminuiu emprego de cabide. Tem que fazer concurso! E quem tem precisa gerar!
Funcionários que chegavam da zona rural perguntavam se havia saído dinheiro. Da esquina do mercado municipal fulano gritava “Não, só amanhã”.
Dito e feito. Pela manhã todos estavam recebendo...
_ Mas hoje não ouvi nenhum avião, Zeca.
_ Nem eu, Dico. Nos de ontem não veio nada!
O avião do dinheiro, desta vez, veio de barco.
Jonas Furtado
Enviado por Jonas Furtado em 03/06/2020
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