Biblioteca azul
Uma biblioteca. Isso o que todos devíamos ter. Alexandria me entristece; a Idade Média me entristece. Nossa prefeitura - guardava uma - já teve seu Nero. Tivesse como, teria uma biblioteca inteirinha, inteirinha: todas as ideias dos tempos, todo o pensamento do mundo! Uma biblioteca inteirinha satisfaria meu gosto. Livros por toda a vida que Deus me desse...!
Uma biblioteca... Mas onde a alojaria? Minha casa é pequena, pequena demais: uma salinha, um quartinho e uma cozinha; não daria... Casinha de madeira; vez por outra dava cupim. E uma biblioteca! Livros chamam cupins; sozinho não os venceria.
Sabe, uma casa pequena assim, cupinzável, não serviria mesmo. Ou poderia...? Uma biblioteca inteirinha, toda azul. Como? Só na minha cabeça! Ah, só na minha cabeça infantil caberia. Deus me desse tanta vida, caberia... Talvez me metamorfoseasse em cupim, um cupim azul... Nos anos 80 e 90, azul era minha cor predileta. Meu prato azul, meu copo azul, e a escola, e a roupa, e a mente... Um cupim azul. Leria como os cupins: seria inteligentíssimo. Um por um e, depois diria “Devorarei mais um”. Sempre mais um, até a biblioteca inteira... Mas uma biblioteca em casa? Não dá. Só na minha cabeça de 9 anos...
O tio era um tudo. E às vezes, carpinteiro; às vezes marceneiro. Dos dois um tudo! Biblioteca! As caixas de fruta da feira... Ele desmantelava, martelava, cortava e remartelava: prateleiras, suportes... Prateleiras eram para pratos como sapateiras para sapatos? A casinha ganhava era uma estante, a estante lembra livros. Eu ficava martelando aquilo. Biblioteca? Uma infinita! Só na minha cabeça...
Um dia acordei bem no meio do meu aniversário. Bolo? Refrigerantes? Balões? Havia era um livro grande e grosso em uma das prateleiras da estante, agora azul de cal e xadrez. Enciclopédia. O que é uma enciclopédia? Um volume apenas. Um volume de segunda feira na estante azul, que era a minha cor, azul-celeste. Estante celeste... E se há uma coisa que tem no céu é biblioteca com infinitas estantes azuis.
Avancei para cima do livrão – cupim esfaimado... Capa dura, miolo de branco-usado e conhecimentos azuis. Ali toda uma... infinita que não acabava mais!