Jonas Furtado
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Textos
O velho e o livro
 
Aconteceu no Centro 4, em Belém. Aguardava o resultado de uns exames laboratoriais e, enquanto esperava, observava, ainda que sem interesse algum, a movimentação naquela manhã de nove horas já. Umas conversas numa fila não muito longa adiante; funcionários que chegavam e passavam com papeletas, outros com vassouras e panos de chão...; aquele típico dia de batente numa repartição pública. Eu sentado num banco comprido, recostado à parede; em uma das pontas (quase não notei) também um velho de óculos, trajando camisa branca e bermuda, tinha um objeto debaixo de um dos braços. Num descuido, ele desapareceu (ou eu não dei caso?).
Voltei ao balcão: Sai às dez horas, disse a atenciosa atendente.
Resolvi andar para que a paciência não se impacientasse, não fosse embora de mim.
No saguão da entrada, um rosto conhecido..., uma conterrânea. Os raros dias que passava na Capital sempre me revelavam pessoas de minha cidade que vinham estudar, procurar médico (como eu), ou ganhar a vida. Era olhar pela janela dos ônibus e descobrir gente... Agora, essa do posto. Ela primeiro me viu; cumprimentou-me. Estava ali vendendo livros e convidou-me para uma olhadela. Taí algo que me chama a atenção: livro. E sobre a tabuleta uma juntada deles; havia mini-dicionários, revistas, CDs de literatura infantil e até um que ensinava inglês. Folheava uma enciclopédia enquanto a conversa mal fluía. Nisso, o velho reaparece, agora a espiar para a banqueta de livros como a procurar... o quê? Não encontra.
Eu estava ali para saber do motivo de uma crescente palidez. Sobressalto-me com a ralhação do velho que mostrava um livro que acabara de tirar debaixo do braço; pronunciou um discurso apaixonado em favor desse livro: “Este sim é coisa que se deve ler, um livro nosso, valoroso, conhecedor de gente de verdade,...”
Antes que se aglomerassem curiosos, o velho, como veio, se foi... Já recuperado, sentindo o sangue corando minha tez, perguntei a minha conhecida o nome do livro que o tal homem recomendara tão veemente; não sabia ela. Uma senhora, com um sorriso de bonomia, diria até familiar, toca em meu ombro: “Era um Dalcídio, meu filho”.
Isso foi pelos idos de 97, 98. Já tinha lido “Marajó” e “Chove nos campos de Cachoeira”. Volto-me para a conterrânea (que nunca ouvira falar de Dalcídio Jurandir, até então) que franzia a testa como a perguntar algo, e então confirmo que o velho estava correto, cheio de razão.
Hoje, quando percebo os esforços dos amantes de literatura, estudantes..., quando vejo surgir associações em torno dos assuntos de nossa região, que tentam somar, resgatar nossa cultura, nossa história..., pessoas com gosto de viver o presente tendo a certeza de já existir no futuro um caminho..., me vem a voz daquele velho, ecoando ainda e sendo de certo ouvida.
Jonas Furtado
Enviado por Jonas Furtado em 31/05/2020
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